Podem informar-me se o verbo queixar-se pode ser utilizado sem o pronome reflexivo e em que situação isso ocorre.
O verbo
queixar-se é um verbo pronominal; no entanto, o pronome se não é um
pronome reflexo, mas o que é designado por “se inerente”. Esta construção
é diferente da construção reflexa lavar-se, em que o sujeito é ao mesmo
tempo agente e paciente da sua acção (eu lavo-me = eu sou lavado por mim),
ou da construção reflexa recíproca beijar-se, em que um sujeito complexo
ou colectivo é ao mesmo tempo agente e paciente da mesma acção (o casal
beija-se = cada um dos elementos do casal beija e é beijado); em ambas estas
construções, o pronome reflexo desempenha uma função de complemento directo. Na
construção queixar-se, porém, não há uma acção do sujeito sobre si
próprio (eu queixo-me = *eu sou queixado por mim; o asterisco indica
agramaticalidade), e o pronome pessoal não tem valor reflexo, nem reflexo
recíproco, nem impessoal, nem apassivante, mas parece fazer parte do verbo e das
suas propriedades lexicais. No caso de queixar-se, nenhuma das acepções
do verbo permite outra forma que não a pronominal (ex.: *ele queixou à irmã;
*o doente queixava de dores de cabeça). Há ainda o caso de outros verbos que
admitem quer uma construção não pronominal (ex.: esqueci o livro em casa)
quer uma construção pronominal com um se inerente (ex.: esqueci-me do
livro em casa).
No vosso conversor para a nova ortografia, e em muitas respostas a dúvidas, utilizam a expressão "português europeu", por oposição a português do Brasil ou português brasileiro. Tenho visto noutros sítios a expressão português luso-africano. Não será mais correcta? Como qualquer língua viva, o português não é alheio à variação linguística e
contém diferentes variantes e variedades, nomeadamente a nível geográfico,
social e temporal. O português falado em Portugal continental e nos arquipélagos
da Madeira e dos Açores é designado por variedade europeia ou
português europeu (ou ainda português de Portugal) e abrange
inúmeros dialectos (divididos ou agrupados segundo características comuns). Esta
designação de português europeu é frequentemente contraposta à de português
do Brasil (ou português brasileiro ou americano), por serem as
variedades do português mais estudadas e alvo de descrição linguística. Alguns
dialectos do português de Angola e do português de Moçambique
dispõem já de descrições e estudos, mas ainda sem muita divulgação fora do
âmbito académico.
A designação de português luso-africano é, do ponto de vista linguístico,
incorrecta, uma vez que as características do português de Portugal, como
sistema linguístico, são diferentes das características do português falado em
cada um dos países africanos de língua oficial portuguesa (nomeadamente do
português de Angola, do português de Cabo Verde, do português da Guiné-Bissau, do
português de Moçambique ou do português de São Tomé e Príncipe) ou de outros
países (como Timor-Leste) ou territórios onde se fale o português. O único ponto
em que poderá haver uma designação que indique uma aproximação luso-africana é
exclusivamente em termos de norma ortográfica. Ainda assim, as práticas
ortográficas divergem amiúde, principalmente no uso do apóstrofo em contextos
não previstos no texto do Acordo Ortográfico de 1990 e das letras k, w
e y em nomes comuns e não exclusivamente em nomes próprios ou derivados
de nomes próprios estrangeiros. No que diz respeito ao léxico, à fonética ou à
sintaxe, trata-se de variedades e normas com traços característicos que as
distinguem.
Como as ferramentas linguísticas da gama FLiP não se limitam ao campo estrito da
ortografia, mas ao processamento do
português como língua natural, a Priberam não adopta o adjectivo
luso-africano para qualificar português, variedade, norma ou palavra
afim. Esta foi também, aparentemente, a opção da redacção do Acordo Ortográfico
de 1990, onde é usada, na "Nota Explicativa", ponto 5.1, a expressão "português
europeu" ("Tendo em conta as diferenças de pronúncia entre o português
europeu e o do Brasil, era natural que surgissem divergências de acentuação
gráfica entre as duas realizações da língua.").